quando dobrei a minha esquina…
frase solta que ouvi na manhã. ficou-me a bater. todo o dia. pensei que esquina seria aquela. que esquinas seriam as minhas.
pensei em esquinas no barreiro. esquinas onde em manhãs frias e nevoentas, pessoas, muitas pessoas, dobravam esquinas. a caminho do trabalho.
pensei nos encontros e desencontros das esquinas. camaradas de secção que se esperam à esquina. amantes furtivos que se espreitam à esquina.
crianças que correm ao dobrar da esquina.
noite escura, mãos que trocam panfletos clandestinos, à esquina.
esquina honesta em ângulo recto, noventa graus.
domingo soalheiro à esquina. esquina dos amigos, galhofeira.
esquina de namorar e enamorar.
esquina de escárnio e dizer mal.
esquina da miséria, sífilis e tuberculose.
esquina da denúncia e da traição.
esquina esquinada da vida, afiada como faca.
esquinas do passado.
essas já as dobrámos.
as que me assustam são as do futuro. esquinas negras como a treva.
que não queremos que regressem.
e que nos ameaçam.
2 comentários:
quando leio sobre ruas e esquinas, salta-me logo à mente a memória do ledo dia do 25 de Abril 74, em que aportamos ao Pragal entre as 7 e as 8 da manhã, e todos dobravam as esquinas e as ruas como se nós ali naõ estivessemos para deitar abaixo o regime fascista, foi uma sensação das mais estranhas porque passei. Interrogava-me, como podia estar aquilo a acontecer.
Obrigado pela publicação do texto e pela boa música.
abraço
asilva
essas esquinas, as da indiferença, são das que mais magoam
obrigado
abraço
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