25 fevereiro 2010

farrusco

















este cão
não tem a certeza
dos sentimentos
que sente

se são humanos
ou não

ele pensa
que é gente

e que o que sente
é solidão

e chora
de dia

noite afora

como
se humano fora

eu dou-lhe pão

não lhe posso chegar
com a mão

e isso rasga-me
a alma
e o coração

se eu pudesse
fazia-lhe festas

matava-lhe a fome
de afagos
a míngua de afectos

22 fevereiro 2010

dona de casa (quase) perfeita

ontem fui uma dona de casa quase perfeita. levantei-me, preparei o pequeno almoço, torradas, café com leite, sumo de laranjas. a seguir fui fazer um bolo. de água mel. e gastei boa parte da manhã. (uma receita antiga, como eu se calhar!) depois disto fiz o almoço. pescadinha cozida, com legumes e um ovo e boas azeitonas alentejanas. a seguir, com mil cuidados porque a cara metade está doentinho e é preciso andar devagarinho, tive de agarrar no carro e conduzir. fomos levar um bocadinho de sol à família. mais tarde fomos às compras. já estava tudo esgotado nas despensa. mas eu é que já começava a ficar esgotada. conduzir outra vez. arrancadas, sacudidelas... no carro! e reprimendas. enfim, chegámos a casa. o jantar é que já não tive coragem. não se pode dizer que não fui uma dona de casa, quase, exemplar. mas como a perfeição não existe…

20 fevereiro 2010

manhãs de brinca



mal o sol se erguia era sair da cama, a correr. a brinca não podia esperar. manhãs frias só aquecidas à esquina do zé mulato. as faces vermelho escurinho, como o pão de côdea crestada, os lábios sulcados pelo cieiro. à espera que aquele tiçanito saísse de trás das nuvens, para aquecer as mãos. entretanto chegavam as mães, com as mantas, para apanhar o sol. cadeiras de buinho, em fila, as mantas estendidas em cima, para expulsar as pulgas. os meninos e meninas, sentados ao colo das mães. as mãos das mães porfiando entre os cabelos, catando os piolhos. depois começava a brinca. ao 31 da pedra. as meninas todas sentadas em carreira, encostadas à parede, as pernas esticadas à frente. começava a lengalenga: 1, 2, 3, os cavalos a correr, as meninas a aprender, qual será a mais bonita, faz favor de arrecolher. oralidade cantante e sempre presente. e prosseguia até à última menina de perna esticada. deveria então ficar de olhos fechados e contar até 31, em voz alta e sempre a bater numa pedra grande, com outra mais pequena. entretanto fugiam todas, a esconder-se. depois era a procura, em todas as ruas, atrás dos quintais, nos currais, até encontrar alguma que a substituísse. outras brincas, em dias de chuva, mas a alegria era a mesma, eram o salto à corda. fazia-se o sorteio para ver quem começava, com a lengalenga do costume: sol e chovendo, as bruxas ao sol, comendo pão mole e agente que se amole ou, depois de um grande aguaceiro, quando o arco-íris iluminava o céu: arco da velha, quem te inventou, foi uma velha que por aqui passou, no tempo da eira fazia poeira, puxa lagarto por esta orelha. e a orelha era puxada a preceito, como convinha. e começava o salto à corda.


18 fevereiro 2010

a terra devia ser de quem a trabalha

foi há 35 anos o início da reforma agrária. talvez a transformação revolucionária mais profunda de abril. primeira conferência dos trabalhadores agrícolas do sul. o avanço para as terras incultas. cumprindo-se um sonho antigo de séculos. inesperadamente real. a terra foi, por pouco tempo, de quem a trabalha. a terra devia ser sempre de quem a trabalha. se assim fosse o alentejo não teria donos, hoje. como deixou de ter há 35 anos. hoje o alentejo está igual ao que era antes da reforma agrária. quase todos tinham de lá fugido, daquelas terras amadas, ou malsoadas, que não davam trabalho nem pão. uns fugiram para um subúrbio, outros fugiram para uma frança qualquer. quem fará a nova reforma agrária que o alentejo tanto precisa. inexplicavelmente, ou não, a utopia resiste. não morreu. está viva nos corações que porfiam na luta contra a mentira, a injustiça, a miséria, a exploração. está viva nos rostos talhados na alegria do reencontro de hoje, em montemor-o-novo. de reencontros próximos. viva a reforma agrária!

16 fevereiro 2010

parabéns à freguesia do barreiro


já vão um bocadinho atrasados. foi no dia 12 de fevereiro. mas neste dia havia uma pessoa muito importante que também fazia anos (e não era o presidente da câmara! nem o da junta!) e eu andei muito ocupada a preparar-lhe uma festa surpresa no bejazz. e depois foi o dia dos namorados e andei outra vez muito ocuapada e etc. e tal, como podem ver pelos escritos. de maneira que os parabéns aqui ficam, atrasados mas ainda a tempo. o "bolo" está ali na praça, para que todos o saúdem. 523 anos. e a festa (!) de aniversário foi no bejazz (outra vez, outra noite no bejazz, que chatice ;). este bar jazz é já uma referência de qualidade para o barreiro. ao nível dos melhores. o barreiro tem destas coisas, também. aqui ficam algumas imagens.
e agora e a propósito do aniversário da freguesia,  para quem ainda não me leu, deixo o convite a que o faça, cito a sinopse do livro: barreiro o lugar e a história - séculos xiv-xviii, da autoria de rosalina carmona, editado pela junta de freguesia do barreiro em 2009. para quem quiser adquirir (desculpem a publicidade a mim própria !!!) está à venda na junta do barreiro. e não é caro. a sinopse vem transcrita no boletim da junta e reza assim: «No final do século XVIII, o Barreiro era uma pequena povoação de características ribeirinhas. O modesto núcleo habitacional  não excedia os 600 fogos, ou 2500 habitantes. A população era constituída essencialmente por pescadores, moleiros e pequenos artífices. Criada a freguesia em 12 de Fevereiro de 1487 - logo passou a vila em 1521 - longe ficaram as origens de um lugar, denominado Quinta do Barreiro. Pequeno município da Margem Sul do Tejo, o termo do Barreiro era limitado, quase exclusivamente, ao seu perímetro urbano, cujo alfoz pouco passava de uma légua. Partia a Sul com o Convento da Verderena; a Nascente com terras de Santa Bárbara e o «Chexalinho»; a Norte e Poente com o Tejo e o Coina.
 Da povoação saíam azinhagas e caminhos rurais, que conduziam a terras de cultivo e aos baldios do concelho. A propriedade encontrava-se estruturada em pequenas courelas, onde predominavam os vinhedos, notando-se a ausência de grandes casas fundiárias. As fainas do mar - pesca e exploração de sal - assinalam-se desde a Baixa Idade Média, mas assumem maior relevância, a partir do século XV a moagem, a construção naval e os mesteres gerados pela Expansão marítima. De longe chegam vozes, que rasgam o silêncio do tempo. São documentos que nos contam histórias. Porque este é, também, um livro sobre as gentes do Barreiro.»

14 fevereiro 2010

histórias de paixão. a propósito do dia dos namorados


há dias tive de almoçar num lugar muito conhecido do barreiro, que agora não me apetece dizer o nome. depois de escolher o meu prato sentei-me ao acaso, perto de um casal que já estava a almoçar. eram pessoas da minha idade, pouco mais ou menos. ela um pouco mais nova que ele, ou aparentava. talvez pelas roupas que vestia, o cabelo pintado, uma certa frescura. ele muito formal (acho que tinha cara de médico) camisa branca, gravata e sobretudo escuros. o cabelo grisalho dava-lhe um ar de al pacino, no filme “Perfume de Mulher”. poderão dizer que nessa altura o al pacino ainda não era grisalho, mas isso é um pormenor que não interessa nada. enquanto debicava o meu quiche de legumes e engulia a sopa reparei na forma como se olhavam. de vez em quando ele dizia qualquer coisa, eu não conseguia ouvir - falavam baixinho e por causa do barulho … e além disso não podia pôr-me à escuta, tinha de disfarçar a curiosidade. – ela olhava-o de uma forma muito especial, que só ele saberia porquê. qualquer pessoa como eu, que olhava de fora, diria que havia ali grande paixão. ele dava-lhe pequenos toques cúmplices no braço, como que a desafiá-la para qualquer coisa que, ali, naquele sítio não teria lugar. de repente ficou um pouco mais de silêncio e consegui ouvir “não ponhas tanto azeite, é demais! eu ponho o azeite que eu quiser, e tú põe mas é azeite no bacalhau, que está muito seco”. e foi isto que eu consegui ouvir!!! eles falavam de azeite! depois ele agarrou no copo de vinho dela e bebeu-o, quase todo. em seguida ela bebeu o resto. levantaram-se e saíram. eu ainda fiquei, de volta do meu quiche.

12 fevereiro 2010

polvo


polvos e outros cefalópodes abundam na costa. os seus tentáculos estendem-se numa rede que parece interminável. querem dominar tudo. ter tudo sob controle. recentemente li um poema sobre a realidade contemporânea e não compreendi o sentido da palavra polvo. penso agora que era o contexto temporal. talvez o autor já se referisse ao escândalo ainda antes de ele ser público. quando aquele poema for lido, daqui a uns tempos, de certeza a palavra polvo será a marca triste da nossa contemporaneidade. lembrei-me agora de uma série italiana, chamada justamente o polvo, que passava na televisão portuguesa há uns anos. no filme havia um combate sério à máfia que dominava, e domina, toda a estrutura do estado italiano. a personagem principal, um magistrado sem medo, pagou bem caro a sua honestidade e viu a família ser toda assassinada em resultado do seu trabalho de denúncia. ainda assim ele não desistiu do combate. em itália berlusconi começou por comprar jornais, televisão, clubes de futebol, etc. parece que está a fazer escola por cá.

misérias e vergonhas de um país triste


ó menina (era eu, não havia mais ninguém na paragem do autocarro), pode dizer-me a que horas é o autocarro para santo antónio, não percebo nada dessas letras. pois, são muito pequenas, sem óculos... eu vejo bem, estas letras é que... não percebo. eu é que não percebi logo. só depois quando a outra chegou, então a família, os filhos. estão bons, lá longe. é verdade na alemanha. como o meu. há 30 anos que lá está. netos e tudo. uns vão para a alemanha outros para a suiça, meti a colher. pois. o que vale é falarmos todos os dias, agora com a internet... nós também já temos isso lá em casa, dizia a segunda. nós não. só pelo telefone. ou por carta. mas o meu marido tem sempre preguiça de escrever. então percebi porque não percebia as letras. pouco mais velha que eu (menina!). não andou na escola. percebi a vergonha daquela mãe e avó. a sua pronúncia ratinha. teve de ir trabalhar em vez de ir à escola. eu pelo menos fiz a 4ª, em menina. a minha mãe também nunca aprendeu a ler. o meu pai andou até à 2ª classe. depois a mãe dele morreu, com a pulmónica diziam e o pai, para esquecer a tristeza de uma casa cheia de filhos e de fome, "dedicou-se à bebida". o meu pai, filho mais velho de 5 irmãos, teve de ir trabalhar para o campo, 8, 9? anos, para ajudar a criar os irmãos. a escola só foi retomada depois, na tropa. por isso, talvez, nunca deixou que os filhos, ao menos saissem da escola sem a 4ª. algumas amigas minhas nunca chegaram a completar, sequer aquele nível básico de ensino. isto em meados de 60. parece que foi há muitos anos e afinal, não há assim tantos. compreendi a vergonha de não conhecer as letras, neste país triste, de que nos fala manuela fonseca http://www.rostos.pt/inicio2.asp?cronica=220271&mostra=2. país onde se disfarça a miséria mas a vergonha é cada vez maior. país a precisar urgentemente de esperança. de uma nova revolução, que nos faça sorrir e de novo encontrar um caminho como povo.

10 fevereiro 2010

memória do Alentejo quando menino

poema inédito de filipe chinita
.
na cidade grande
o homem
é muito mais bicho
que o habitante
da planície
longa

além
Tejo
.
os homens
enrolam mortalhas
passam-lhes
a língua
lábios
saliva
na modorra
em que o sol
queima
e o tempo
é igual
.
são
por vezes
lentos
os
desafios
quase
o homem esquece
ser ele
o
centro
.
a
difícil
sabedoria
da
espera
.
o
silêncio
o
grito
grande
que é
o
da planície
.
canto

apenas
o
das cigarras
na
toalha
de
calmeira
que
desembainha
sombra
no
beiral
das casas
brancas
.
fresquidão
interior

cântaros
de
barro
húmido
cocho
frescas
águas
de
fonte
.
a
sede
sequiosa
de
um
mundo
outro
.
o cocho d’água
sobrante
sobre
a
tijoleira
porosa
(que
tudo
absorve)
cor
de sangue
ou
bandeira
.
os homens
do Alentejo
costumam
um canto
uníssono
não
monótono
consonância
vária
desdobrada
que
das vozes
saí
.
da
bolota
pão

da
foice
objecto
de
espinha

cerviz

o
gesto
curvo
da
libertação
.
quem
não é
não pode
saber
da rua
quase única
que atravessa
a
aldeia

do
cair lento
das
noites

onde
as
gentes
sentam
o
verão

o
passeio
que
corre

o
vozear
.
cigarreio
de
ardores
luminescências

mancha
que diria
uma pincelada
de
igual

não
soubera
os
contratados

nome
a
nome

cara
a
cara

máscaras

pano
e
barro

ruivo
e
negro
.
é
no passeio
da rua
principal
quase única
que
sentam

no
diante
das
tascas

as
mulheres
(em)
cadeiras
de
buinho
amuradas
entre
portais

esperam
nocturnamente
.
a
branda
aragem
 o
negro véu
quieto
estrelado
que
esquece
a
calorada
e
profetiza
o
amanhã
.
a tal fonte

chafariz
das
quatro
bicas
centro
da
aldeia

é
o
largo
da
igreja

vaga

07 fevereiro 2010

EMERGÊNCIA DEMOCRÁTICA NACIONAL. SIM!

S.O.S

“ Resposta urgente ao comentário preocupado da leitora Azinheira e aos demais que vivem a mesma grande e perturbadora ansiedade, a cujo grupo pertence este obscuro cidadão que vos escreve, mas que sendo um militar de Abril por dever moral, calar não se pode e, mais, NÃO DEVE. Dever que obriga a todos os portugueses democratas e, de um modo particular, aos não vencidos ou convencidos militares de Abril, pela plutocracia”

Sim os bons Portugueses dormem, mas sobre esse descansado dormir, a democracia morre ferida de mil ataques, jogadas e misérias mais próprias de um regime dos confins africanos, com vivências à lá mugabe, em termos de uma vergonhosa corrupção económica, politica e moral que nem os tribunais, nem a opinião publica, nem o parlamento julgam.

Parece, sente-se uma fria e terrível sensação de tudo estar saque, e que o aviltamento das almas, sobretudo a do Povo, não pode ser mais trágico. O que aconteceu a este Portugal?

Sim. O que nos aconteceu?

O momento que atravessamos é de uma gravidade extrema a DEMOCRACIA MORRE a machadadas vis com muitas e graves cumplicidades, a maior e mais grave, a da ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, em que, como corajosamente denuncia Cravinho, os lideres parlamentares parecem assobiarpara o lado nestas horas trágicas que podem acabar muito, muito mal, com o regresso da direita ao poder, muito reforçada pela extrema-direita, pela via eleitoral, por ora, se isso chegar.

Sobre os últimos desenvolvimentos políticos: a negociação do orçamento geral do Estado, as transferências financeiras para a Madeira, ( minha querida terra, sem governo democrático) o caso de Mário Crespo e, mais grave, o envolvendo a compra da TVI, Correio da Manhã e Público, podendo envolver altos dignitários da Governança, só mesmo a completa alienação das coisas da res -publica não obriga a uma clara, pronta e urgente intervenção da Assembleia da Republica, para indagar a verdade sobre todo o esquema que um procurador da Republica e um juiz referem existir nestes casos para tentar alterar o sentido do voto dos portugueses.

Facto que se real, poderia mesmo alterar a configuração legitima e democrática do poder, instituindo, em última instância, uma ditadura da maioria contra a vontade genuína dos eleitores que só se pode exprimir em eleições intrinsecamente livres e democráticas, o que, já mesmo em circunstâncias normais não acontece completamente, mas tanto pior, quando planeadamente se adulteram os mecanismos de formação da opinião

Neste âmbito também cabe e deve:

» O governo analisar e questionar sobre a verdade da existência ou não daquele denunciado esquema, para a tomada viciada do poder pela via eleitoral;

» Ao Sr. Presidente da República questionar o Sr. Procurador Geral da República, sobre os fundamentos da sua decisão de não investigar os indícios, que parece muito prejudicada face aos despachos revelados e às notícias sobre a rede tentacular denunciada na comunicação social para obter os objectivos referidos nos despachos. Rede que tal como é apresentada é coerente com os objectivos pretendidos, ou seja, condicionar gravemente o resultado eleitoral, o que, de acordo com esquema denunciado só não aconteceu por haver liberdade de expressão e uma imprensa não completamente controlada, o que, se procurava eliminar;

» A todos os portugueses exigirem aos vários órgãos constitucionais que ajam, e à Assembleia da República que garanta a legalidade democrática.

Numa palavra é preciso tudo fazer, para que não se perca a essência moral da democracia e da Republica, baseada no comportamento ético dos representantes do povo e no funcionamento legal das várias instituições, e no procedimento de igual modo para todos os cidadãos, como só pode ser o caso, dos tribunais e da justiça.
Se tudo isto ruir: a dignidade dos agentes políticos, a verdade das eleições, o comportamento honesto, a justiça social, a liberdade de expressão, deixa de haver democracia, há somente um simulacro que mais cedo, do que tarde, aproveitará a um qualquer ditador totalitário.

Como militar de Abril independente, somente ligado aos compromissos sagrados e intocáveis do Movimento das Forças Armadas, que se mantêm vivos, e para cujo sucesso contribuí desde sempre. Desde 1972 que denunciava em carta dirigida a um meu camarada a necessidade de nos levantarmos contra o regime podre, não posso calar a minha angústia e revolta, por ver tanto pântano, em que nos afogamos, e, por isto, aqui, ladro, mas quem me ouve?

Poucos, porque, como convém, dirão, o que pode este obscuro cidadão? Nada, mas como cidadão faz o que pode, e faz, assim, o que deve. Dever extensivo a todos os democratas, aos partidos, nomeada e particularmente ao PS que não se pode reduzir à voz troante e incómoda do Sr. Lelo, e ainda de uma forma particularíssima aos MLITARES DE ABRIL NÃO VENCIDOS OU, PIOR, CONVENCIDOS PELA PLUTOCRACIA.

7 Fev. 10. Um momento grave da DEMOCRACIA Fundada em 25 de Abril 1974

andrade da silva

este texto pode ser lido no blog  http://liberdadeecidadania.blogspot.com/

esquinas da vida




quando dobrei a minha esquina
frase solta que ouvi na manhã. ficou-me a bater. todo o dia. pensei que esquina seria aquela. que esquinas seriam as minhas.
 pensei em esquinas no barreiro. esquinas onde em manhãs frias e nevoentas, pessoas, muitas pessoas, dobravam esquinas. a caminho do trabalho.
pensei nos encontros e desencontros das esquinas. camaradas de secção que se esperam à esquina. amantes furtivos que se espreitam à esquina.
crianças que correm ao dobrar da esquina.
noite escura, mãos que trocam panfletos clandestinos, à esquina.
esquina honesta em ângulo recto, noventa graus.
domingo soalheiro à esquina. esquina dos amigos, galhofeira.
esquina de namorar e enamorar.
esquina de escárnio e dizer mal.
esquina da miséria, sífilis e tuberculose.
esquina da denúncia e da traição.
esquina esquinada da vida, afiada como faca.
esquinas do passado.
essas já as dobrámos.
as que me assustam são as do futuro. esquinas negras como a treva.
que não queremos que regressem.
e que nos ameaçam.

05 fevereiro 2010

estribilhos da malta, bocas e frases soltas


as palavras andam no ar. saltam da boca. como os sorrisos. então estás cá!? estou sempre! (às vezes em pensamento) toca a despachar! que são horas. e não te descalces que vais ao petróleo! frases que ninguém sabe como e quando começaram. andam por aí. lá vamos nós, a gracinda, a paula, a rosa. agora chega a licélia com a filha. a anabela, a inês, a teresa, enfim o autocarro cheio arranca. organizem-se! outra. ó eeelllssssaaa! e ela responde lá à frente: acendam a televisão! gargalhada. a malta está bem disposta. como a tarde, de sol. o autocarro já lá vai. do rádio soltam-se sons de um fado antigo, fernando farinha(!!!) fado de um operário. bela voz de fadista barreirense, mas neste ambiente não soa bem. ai meu canário! e esta? é nova. sobre a 25 de Abril (sempre!) lisboa. cada vez mais bela. a seda do tejo, azul e transparente a rasgar-se em espuma, rasto de barco do barreiro. no marquês nota-se já o movimento. a liberdade, em avenida cheia de sol, promete. bandeiras vermelhas e brancas da função pública. o autocarro parou. agora vai tudo à casa de banho. a fila já chega quase à rua. a dos homens vazia! não pode. e chegam eles e vão para a fila, mas desistem logo. azar. da rua chegam acordes “e se todo o mundo é composto de mudança, troquemos-lhes as voltas, que i’nda o dia é uma criança”. na rua já está tudo a postos. o megafone ó miguel! ó miguel! bocas trazes o moscatel? ó miguel! olha pra trás que é contigo! e era mesmo. o paulo de carvalho tu vieste em flor e eu te desfolhei… e a lala e a malta de mora. e o zeca quando um homem se põe a pensar…autocarros de avis e de palmela. o hino da intersindical unidade, unidade, unidade, do trabalho contra o capital. pelos restauradores abaixo alguém me chama. e era a maria bárbara e a maria teresa, de pias pois. abraços e adeus que nã posso perder a malta do barreiro. mentiroso! mentiroso! a cantiga enche a praça. petição “pela saída imediata das tropas portuguesas do afeganistão” é um panfleto. direitos conquistados não são para ser roubados. o país não se endireita com políticos de direita. o terreiro em frente aos barcos do barreiro está lhano. as bandeiras esvoaçam com a  brisa que sopra do tejo. injustiças sociais, arre porra que é demais. foi uma boa manifestação. os funcionários públicos merecem respeito. o socrates é um burro, foda-se, caralho. dizia um do porto.

04 fevereiro 2010

o turno das 7





como se fossemos entrar no turno das 7. atravessámos a antiga cuf e à minha frente começam a surgir centenas, milhares de operários, mulheres e homens, a caminho de casa, olhos pisados depois de uma noite inteira de trabalho, cruzando-se com os matinais companheiros que os vão substituir. caldeireiros, chumbeiros, frezadores, lubrificadores, serralheiros, mecânicos, soldadores, torneiros mecâncicos, especialistas químicos, analistas, afinadores, bobinadores, caneleiras, cardadoras, costureiras, estampadores, fiandeiras, ramiladores, tecedeiras, urdidoras. quantos mais… tudo a caminho do trabalho, na urgência do ganha pão. vão enchendo as ruas, que fervilham como sangue quente nas veias. uns de bicicleta, outros a pé e havia também quem chegasse de autocarro, de comboio e de barco. a buzina a chamar para o turno e a fábrica sempre a arfar, 24 horas por dia. ainda era assim na década de 80 quando cá cheguei. mas avista-se já o bairro das palmeiras e a visão desvanece-se. para trás fica o antigo bairro operário, vazio e deserto. não há luzes nas janelas, as portas estão fechadas, não há pessoas nas casas. as fábricas calaram-se. é o silêncio que povoa as ruas e incomoda.

03 fevereiro 2010

resposta de um capitão de abril Andrade da Silva


Cara Amiga

Obrigado. Andei por muitas terras, naturalmente estive perto de si, mas o problema das terras era comum a Pias e a outros lugares, mas o que me deu água pela barba foram os problemas dos lagares.

Amei Pias, como todo a Alentejo, as pessoas mexiam-se e as coisas aconteciam. Construia-se o Futuro e da minha parte nunca ao de leve passou qualquer divisão de partidos, para mim era a aliança pura do Movimento das Forças Armadas e o Povo, era a justiça em marcha, era a construção do Futuro, nunca pratiquei violência contra ninguém, mas nunca aceitei que alguém se pudesse deitar sem pão, só porque o lagar não funcionava, ou a terra não produzia, isto, nunca devia ter acontecido, e, então, depois de Abril era impensável e nunca comigo isso poderia ser tolerável.

Honro-me de ter evitado a violência, mas ter ajudado a crescer a alegria, e a fazer com que se pagasse milhares de contos em salários em atraso. Todos os latifundiários denunciados por essa prática cobarde, depois de muita resistência lá arranjaram os trocos para pagarem

Ao povo de Pias um grande abraço e para si.

01 fevereiro 2010

carta a um capitão de Abril












estimado capitão
Andrade da Silva

essas Pias que tão bem recorda e fala https://www.blogger.com/comment.g?blogID=4042488865759147347&postID=2782610039332118942 e aonde ainda é recordado por alguns, são as “minhas”. e as de Francisca, como disse o nosso amigo Carlos Domingos poeta do mundo, que tal como ela Francisca, foi um militante clandestino contra o fascismo de então e o de agora. essas Pias pertencem ao concelho de Serpa, mas já pertenceram ao de Moura antigamente. por isso aquela moda, natural de Pias: lá vai serpa, lá vai moura, e as pias ficam no meio, em chegando à minha terra, não há que ter “arreceio”. isto em boa pronúncia pieira, que é como deve ser cantado. pois eu recordo-me bem, quando o capitão, então alferes, Andrade da Silva lá andou. se não estou em erro, até esteve na ocupação da herdade da ínsua, perto da herdade do alvarrão. a ínsua fica na margem esquerda do Guadiana, já para os lados de Moura. eu também lá estava nesse dia, trabalhando. recordo-me de quando nos reunimos todos, sob a copa da azinheira, onde todos os dias descansávamos ao almoço. os militares, então muitos bonitos nas suas fardas, que já não representavam tristeza, barba escura e cerrada, negros e compridos os cabelos. soldados de arma ao ombro e revolução em riste! imagem mítica de guerrilheiros da Sierra Maestra, transposta para o Alentejo, vermelho de esperança. a esperança estava em todos os olhares e rostos e peitos e corações. e saía para o ar provocando explosões, de alegria. eu, rapariga nova (não o são todas as raparigas?) 16 anos! assistia a tudo, um pouco afastada, tal como as minhas companheiras, que ali estávamos todas juntas, separadas dos homens como era o hábito. não porque não quiséssemos estar lá junto deles, a ouvir todas as palavras e a guardá-las em nós. mas é que os homens, tão revolucionários eram e não nos queriam lá, perto deles. não nos deixavam chegar a certos sítios que julgam só deles, ainda hoje. mas nós é que já não somos raparigas novas, já nos passaram pela pele 35 anos. já não estamos para isso, apesar das tentativas que ainda hoje alguns fazem. são pequenas revoluções que temos de travar, todos os dias. mas essa seria outra conversa e não é chamada agora para aqui. pois eu e as minhas camaradas não ouvíamos todas as palavras. chegavam-nos algumas: revolução, exploração, a terra a quem a trabalha, viva a reforma agrária. mas no final ouvimos distintamente: viva o 25 de Abril! e todos e todas respondemos unissonamente: o povo unido jamais será vencido! esta é uma recordação, que eu não sei se é também do capitão, apesar de ser alferes então, se realmente lá esteve nesse dia ou não, mas ficou para sempre, guardada em meu coração.

25 de Abril sempre! fascismo é que nunca mais!