quando avistaram a ponte sobre o Tejo já a madrugada adormecia e uma claridade difusa desenhava os contornos de Lisboa. era quase véspera de natal de 1972. para trás ficava uma noite em claro, na camioneta, mais de seis horas de caminho. na cabine quatro pessoas: o motorista que espantava o sono com a própria voz, ela, apertada ao lado da mãe e o mais novo ao colo. lá atrás a mobília, coisa pouca, uma mesa de cozinha, um pequeno fogão a gás, algumas cadeiras, as camas de ferro e os colchões de lã, uma arca com cobertores e pouco mais. no meio de tudo aquilo o pai e o outro irmão. deixaram a aldeia já noite fechada, evitando discretamente a vizinhança. tomaram o caminho do castelo velho, passaram Vale de Lagarinhos e entraram na estrada. avistaram Serpa e logo depois deixaram o seu querido Guadiana e a margem esquerda. a camioneta velha e ronceira não deixava o sono pousar.
havia algum tempo que o pai não falava de outra coisa, que deviam deixar a aldeia! a ver se a pide o largava e lhe perdia o rasto de uma vez. já outros camaradas o tinham feito e dera resultado. e foi assim que abalaram para Alverca. a tia já alugara uma casa, pequena para tanta gente - já lá viviam os dois irmãos mais velhos - num pátio acanhado onde todos os vizinhos eram alentejanos. esse natal, naquela terra desconhecida em que todos se conheciam, passou e não deixou grandes lembranças. apenas foi o primeiro natal iluminado com luz eléctrica mas a ausência da lareira fazia a noite ainda mais fria e longa. talvez as noites do pai agora tivessem madrugadas serenas…
4 comentários:
muito bonito
continua a narração
deixa o novo texto sempre por inteiro à mostra
abraço de aço
Bom, que dizer?
Que gosto, que percebo que me indentifico, que tenho de te linkar e que mesmo que tenha pelas pessoas muita consideração, carinho e amizade (que nunca sei bem demonstrar), quando vejo a alma por estas "janelas" ainda gosto mais!
Beijo muito grande
ao filipe
é preciso cuidado com os abraços de aço. não queremos costelas partidas
à ana
ainda bem que gostas e me vais linkar. quando escrevo estas histórias também penso em ti
...à sombra duma azinheira
mas que ainda sabe a idade...
Gostei de ler, sim. Mas não dá para comentar porque, ao ler, se me afigurou tudo o que eu passei ao longo dessa enorme noite triste e fria, em que a nossa lareira era apenas o calor dos companheiros...
Mas valeu a pena porque, embora aquela Noite se esforce por voltar, continua aberta a porta que nós abrimos para a Liberdade.
Carlos
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