Conheci o Filipe Jorge quando ele andava a escrever este livro. Eu não sabia, é claro. (nem sei se ele imaginava que algum dia viria a editá-lo). Isto foi aí nos anos de 77/78 a 80. Eu tinha 18 ou 19 e ele tinha 22 ou 23 anos. (passaram entretanto 30 anos!) Já tinha terminado o Processo Revolucionário em Curso, o famoso PREC. Mas, no Alentejo a Reforma Agrária resistia, às investidas da lei Barreto que roubava a terra àqueles que sempre a trabalharam, aos ataques diários, espancamentos e prisões, praticadas pela GNR. Nessa altura alguns, MUITOS, de nós (aqui nesta sala estão alguns) fomos revolucionários a tempo inteiro, como ele muito poeticamente escreve no seu livro. Eu acrescento ao tempo inteiro o corpo inteiro. Foi um tempo único nas vidas de todos nós, esse tempo de REVOLUÇÃO. O nosso país já foi palco de algumas revoluções, (e revoltas também) ao longo da sua história, mas há algumas que são especiais (pelo menos para mim) como 1383-85, 1640, 1910 e a nossa: 1974. Foram revoluções em que o POVO ou as mãos do povo, empurrou o carro da história, como se escreve neste livro. E nós temos a sorte de estar vivos e poder dizer que fizemos parte desse povo que, em 1974, transformou o mundo, ao transformar Portugal.
E é desse povo que nos fala Filipe Chinita. É nesse povo que nos reconhecemos, quando o poeta no poema "proposição" fala de abrir portas ao mundo, um mundo novo a ser conquistado por esse povo. Um mundo com ruas e «salas a abarrotar de gente», onde o poeta lê os anos e as vidas nos rostos marcados, nas mãos cheias de nada e de dores antigas. Mãos de trabalho ali à disposição de todos, abertas e francas, «as mãos que tudo fazem». É esta gente povo todo o dia, a quem o poeta lança as suas palavras, no poema "sou convosco". E as palavras, essas «guerrilheiras» rimam com risos e têm «sabor a pão e a revolução».
Neste livro as ideias surgem depuradas, simples de tão claras e profundas. As palavras são apenas as necessárias para dizer. Não precisam de ornamentos. (Ele próprio, o livro, é quase um objecto estético na forma como as e se apresenta).
As palavras podem ser doces cheias de «ternura alegria» e festa, ou podem ser, simplesmente pintura(s) luminosa(s) onde «o céu é de um todo azul».
São palavras feitas acções e convicções, como a preparação do «encontro de amanhã» ou a «assembleia geral» ou «essa coisa da vida e do comunismo».
Podem ser também, como a vida por vezes, muito duras e dolorosas e são-no, nos poemas "traição" e "intermediários". Aqui é a náusea perante aqueles que «cospem para o chão o asco em que vivem».
Nesta escrita, quase uma crónica do quotidiano da revolução, o poeta cresceu com ela, a Revolução, e como pessoa, quando sente que abre «pequenos mundos que sejam» e encontra-se com a poesia. E é extraordinário como a encontra, imagine-se! num «barracão de paredes rebocadas nuas» numa «lâmpada florescente, electricidade de há pouco» ou no «tecto novo coberto de esferovite».
O poeta encontra-se com a poesia na sua «vida de revolucionário(s) humaníssimo(s) de peito aberto».
Sim, tenho de o dizer, reconheci-me, muitas vezes, nestes poemas.
Obrigado ao Filipe Chinita, por este livro e pelo outro que também já saiu este ano: Cantata Pranto e Louvor em memória de Caravela e Casquinha, em co-autoria com Manuel Gusmão.
(para terminar gostava de apenas vos dizer que perdi o contacto com Filipe Jorge em 1980 e apenas voltamos a reencontra-nos este ano, na festa do avante.)