recordo-me agora, nem sei porquê, quando ía-mos ao poço, buscar "água de beber", em cântaros de barro e enfusas, à cabeça. como custava, e pesava! um cântaro cheio de àgua.
ao fim da tarde, no verão, pela fresquinha lá íamos, mulheres, mães e raparigas, pela linha do comboio, ao poço do estrela. ficava a mais de um quilómetro de distância, mas a água era muito azul e fresca. custava 7 tostões, o cântaro, se não estou em erro. depois era ver, e aprender, a arte e a elegância de colocar sobre a cabeça a enfusa, de modo a não cair e partir-se. autênticos malabarismos e «fenezas», que é outra maneira de dizer proezas.
equilíbrios de mulheres e meninas
bailarinas
jogos e movimentos
flutuantes
balançados
as pernas elevam o corpo
nas ancas o jeito cadenciado
articulado
com a firme haste
do pescoço
na cabeça
coroada
das raparigas
bem levantadas
vão ideias difusas
em barro fresco
no vermelho das enfusas
águas e vida
vidas
direitas que nem um fuso, assim deveríamos chegar à rua do castelo, ao chiadinho, ou ao caganito, cabeças e pescoços dormentes.
já a "água de gastar" ía-se buscar ao poço do comboio. chamava-se assim porque era junto à linha férrea, local onde os comboios a vapor paravam para tomar água. íamos às escondidas, sob a cumplicidade da velha georgina, guarda da passagem de nível. a cp não permitia. a água deste poço não prestava para beber, apesar de ser das mais frescas. servia apenas para os usos da casa. já de lá tinham tirado alguns afogados. lembro-me do caso de uma rapariga de 20 anos, "deixada" do namorado.
até parece que foi há séculos... e no entanto... isto eram os anos 60.
as estórias do latifúndio são assim, não têm fim. surgem, sem quê nem porquê...
3 comentários:
Vivências que apenas não estarão de regresso porque já não haverá gente para as viver...
vontade de voltar a fazer o mesmo, é o que não parece faltar-lhes. o que falta mesmo são as pessoas, no interior principalmente.
se o país fosse um barco já tinha adornado...
Estes não tiveram a sorte dos de Fátima. Não houve Virgem que lhes aparecesse...
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