23 fevereiro 2012

por trás daquela janela







 música e letra de zeca afonso, dedicada a alfredo matos, preso político na cadeia do aljube

por trás daquela janela
faz anos o meu amigo e irmão

não pôs cravos na lapela
por trás daquela janela
nem se ouve nenhuma estrela
por trás daquele portão

se aquela parede andasse
eu não sei o que faria  não sei

se a minha faca cortasse
se aquela parede andasse
e grito enorme se ouvisse
duma criança ao nascer

talvez o tempo corresse
e a tua voz me ajudasse  a cantar

mais dura a pedra moleira
e a fé, tua companheira
mais pode a flecha certeira
e os rios que vão pró mar

por trás daquela janela
faz anos o meu amigo  e irmão

Na noite que segue o dia
o meu amigo lá dorme  de pé

e o seu perfil anuncia
naquela parede fria
uma canção de alegria
no vai e vem da maré

por trás daquela janela
faz anos o meu amigo  e irmão

não pôs cravos na lapela
por trás daquela janela
nem se ouve nenhuma estrela
por trás daquele portão



07 fevereiro 2012

corja





neste país vive a corja, 
que a tudo se permite

 para a corja não há limite

no país da corja 
manda a corja
a sua lei prevalece 
a grei obediente, obedece

até quando?


no país da corja rouba-se tudo
roubam-se direitos
o  trabalho
os salários
férias e feriados
reformas e ordenados

rouba-se a democracia
a liberdade
 a independência
 a soberania

a saúde
a esperança e o porvir
até a alegria de sorrir


 há quem diga que até já roubaram 
a dignidade

e em seu lugar deixaram 
uma esperança vazia
sementes de melancolia

erva rasteira
que gera incapacidade 
de reagir
e resistir

nesse nada 
onde até a utopia fenece
 a corja, bruta, floresce

a corja, ah! se pudesse!  
vingava-se

do vermelho, 
da revolução,
dos cravos e das lutas,
dos capitães e dos poetas,
das palavras, 
e das vozes libertas

mas neste país, 

que não pertence à corja

há um povo 
que só é escravo 
se quiser

porque em cada manhã que desperta

há um dia novo

e uma revolução por fazer


04 fevereiro 2012

minha terra, de florbela espanca










ó minha terra na planície rasa,
branca de sol e cal e de luar,
minha terra que nunca viu o mar
onde tenho o meu pão e a minha casa...


minha terra de tardes sem uma aza
sem um bater de folha... a dormitar...
meu anel de rubis a flamejar,
minha terra mourisca a arder em brasa!

minha terra onde meu irmão nasceu...
aonde a mãe que eu tive e que morreu,
foi moça e loira, amou e foi amada...

truz...truz...truz... eu não tenho onde me acoite,
sou um pobre de longe, é quasi noite...
terra, quero dormir...dá-me pousada!



soneto de florbela espanca, manuscrito de que vi uma cópia,
não sei se editado, dedicado a um seu amigo do barreiro