30 novembro 2009

o poeta Al Mutamid




castelo de aljezur


um apelo chega do fundo do tempo.
cavalga na brisa
faz ondular
o verde das searas
das azinheiras
redondas e rasas
que ficam mais doces.

é o poeta al mutamid.
no seu corcel
do pensamento
transporta mil anos de história.
os mesmos campos
os mesmos homens
as mesmas guerras.

ah! meu poeta
continuamos crianças
não aprendemos nada.

(al mutamid rei e poeta muçulmano, nascido em beja no ano 1040)

27 novembro 2009

A velha ermida

















subimos o monte
ao encontro do passado
não do nosso
que ainda nos não dá saudade.
o passado de outros
anónimo e distante
as azinheiras
redondas
estão em flor.
eis-nos no cimo do monte

as ruínas de uma velha ermida
aqui estão

que preces terão recebido?
que mulheres aqui se curvaram?
que desejos alcançaram?
porque pedem, tanto, as mulheres?
no alto do monte, que preces farei?

não faço preces
desço o monte

alentejo 26 março 2006



histórias de comboios. a primeira viagem


a primeira viagem foi com a tia mais nova, Benta de seu nome. gostava muito dela e o sentimento era mútuo. ainda não tinha 7 anos feitos. por causa da pouca idade e porque tinha passe do caminho de ferro, só pagava um quarto de bilhete. mas foi a tia quem pagou. o comboio partiu. deixou para trás a Caseta, passou na Zurreira, fez a curva na Trincheira e lá estava a mãe no Castelo, a acenar. não se importou. tudo era novidade. à janela a paisagem desfilava, rápida. ó tia o que é aquilo, não sei já passou. e agora? o comboio parou, já chegámos tia, ainda não. que terra é esta tia, é Beja. fica quietinha e dorme, não tenho sono. e agora o que é? é Alvito e Viana do Alentejo. e aquilo o que é tia? é uma cegonha, não é “ti” Benta! as cegonhas são aqueles pássaros que fazem ninhos no Torre do Relógio, mas esta é de tirar água. olhe tia, que estação tão bonita, é Casa Branca, não é a casa enflorada. deve ter sido a última estação que viu.

24 novembro 2009

as actas


nas actas
transparece
o discurso fascista

fala da pátria
de moral
de ginástica e canto coral

de fervor nacionalista.

fina capa de verniz

onde

pressinto-o,

o ódio

se esconde

e a vingança
 bruta
e cruel
explode.


o voo das águias







abrir portas
descobrir afinidades
voar
como uma águia
sobre os altos céus
de marvão
 ...
será a mesma
que paira
sobre o castelo de arraiolos,
vigiando a terra
lavrada
à espera
das sementes
de outono?


23 novembro 2009

liberdade livre


estiveste sempre
aqui
à minha espera
desde que nasci
e assim que cheguei
lancei
raízes em ti.
tomei-te todo
primeiro a alma
depois o corpo.
em ti cresci
fui Primavera
flori.
de meu livre ventre
pari
a semente
da Liberdade livre
livre como o vento
e o pensamento.
nasceu
e é nosso o fruto
só nosso
meu e teu.


rotina



a caminho do trabalho

saio de casa já em cima das 9, um leve nevoeiro envolve a cidade.
abro a porta da rua e uma senhora, velhota simpática que não conheço, diz-me bom dia. sorrio e retribuo o cumprimento e quase caio, para me desviar dos dejectos de cão, em cima do passeio. olho para o mercado 1º de maio e noto a azáfama do costume. desço pela alfredo da silva em passo apressado. o tico-tico está a abarrotar de gulosos.
viro para a miguel bombarda e o trânsito está um caos, rebentou um cano. uma equipa das águas e saneamento tenta consertar a ruptura. logo a seguir, na telha do pão, algumas colegas tomam o pequeno almoço. olá, olá, estás bem, como vais. em frente à câmara a gracinda, a cristina, o sérgio, bom dia, olá, adeus. mais à frente as oficinas da emef e a exposição (e a rita há quantas horas já se levantou e está na sua bancada de trabalho). desço as escadas para o túnel, agora verdinho e limpinho, mais seguro (eu também o torno mais seguro quando passo lá). ao dobrar a esquina afasto-me, por precaução, e aparece-me pela frente um d. sebastião no seu cavalo branco, que é como quem diz, um rapaz (mais ou menos da minha idade), figura alta e espadaúda, cabelo cor do meu, se o meu não fosse ruivo (não é para rir! nunca viram uma alentejana ruiva? pois fiquem sabendo que as há e muitas! e de muitas outras cores).

20 novembro 2009

a saudade o que é










a saudade
não sei o que é

sei que está
cá dentro

bem no fundo
escondida

quietinha

adormecida.

quando acorda
salta
para fora

como se fora
animal selvagem

à solta
ataca
à traição.

sou caçada
desfeita
devorada.

depois

sorrateiramente

lambe os restos

limpa as garras

volta ao covil.

adormece

serenamente
como um bebé.

a saudade

não sei o que é


19 novembro 2009

retrato de família






nesta família faltam algumas pessoas

falta a mãe, não quis ficar sem o pai

o pai está preso, em caxias, e não dorme. não o deixam

falta o irmão mais velho, teve de ir trabalhar para bombel,

muito longe de casa, perto de vendas novas

e falta o mais novo.

só há-de nascer no ano seguinte.

rotina


hoje não vou à reunião




hoje não vou à reunião de serviço.
voz masculina pergunta porquê.
ora, edifícios municipais!
pra quê, já tantas sugestões têm na gaveta e não servem para nada.
voz masculina de novo mas vai, não fiques fechada na tua concha, assim não ouves ninguém e as pessoas têm sempre alguma coisa para nos ensinar, ouvindo os outros aprende-se sempre alguma coisa.
 pronto, pronto está bem (as pessoas têm sempre alguma coisa para nos ensinar! tocou no ponto. meto a arrogância na gaveta).
 está bem, vou à reunião.
e fui.
e ouvi.
e disse.
e até foi interessante.

18 novembro 2009

só planície


planície

só planura

longínqua

infinita

onde só a tristeza cresce

rasteira.


uma ou outra azinheira

redonda

rasa

a custo ergue-se

do chão

logo vergada

 pelo vento

mágoa

 solidão.


esta é a paisagem

este é o mo(n)te.