28 março 2013

é a hora


nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.
ninguém sabe que coisa quere.
ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(que ância distante perto chora?)
tudo é incerto e derradeiro.
tudo é disperso, nada é inteiro.
ó portugal, hoje és nevoeiro...
é a hora!”

fernando pessoa, mensagem - poemas esotéricos

27 março 2013

tempo de grândolas


com o céu a querer desabar-nos em cima, escondendo a serra d'ossa atrás de espessas cortinas de água, olhávamos, ao fundo, a vila do redondo, enquanto esperávamos que o tempo e a chuva se afastassem para longe, pela planície amiga. talvez a caminho das terras dos sacaios, que fazem uns paios com excelente sabor, à antiga.  

deixámos a estrada e ali, debaixo daquela azinheira, companheira solidária de mais uma jornada, pensámos neste tempo de grândolas. pensámos em chipre. e no mais que se segue. e quem se segue agora. agora que perderam o rebuço e mostraram mais uma vez, a face. e chipre é apenas o início.
esta é a face de uma certa europa, capitalista, pró fascista, que começa a agigantar-se sobre os povos mais fracos e a preparar a bota nazi.

por muito menos se fizeram revoluções. 
porque não se unem os povos explorados para acabar com o sistema capitalista?
porque é que continuamos à espera que a solução exista dentro deste sistema, se ele está contaminado pelo poder do capitalismo internacional?
quando é que surge um novo lénine, para guiar os povos, rumo a tempos novos?

20 março 2013



chegaste, primavera

enfim!

vinhas nas asas de uma andorinha
e pousaste
 em perfumes e verdores
pelo jardim

eu
passei o inverno todo
 à tua espera

agora que voltaste
primavera

fica sempre comigo

não te partas mais de mim


11 março 2013

uma luz que se apagou



quando os campos  começam a tingir-se de cores, atapetados por uma erva vermelha, que cresce rasteira nos montados...

quando afago o tronco, rude, das azinheiras e o sinto macio, coberto de musgo

quando uma brisa que busco, me transporta pelo campo aberto
à planície dos odores  intensos da tremocilha...

quando oiço o cuco cantar e é já primavera... ainda que o calendário diga o contrário...

quando por todo o lado a vida fervilha....

ainda assim, a morte me surpreende.
consegue sempre surpreender-nos, a morte,  levando aqueles que,  mesmo já o sabendo nós,  partiriam antes...  nunca a esperamos.
e é sempre surpeendente.
apanha-nos inocentes e desprevenidos.

e pensamos
um dia também o meu corpo partirá
e o meu ser deixará
de ser
e deixarei de saber
que a primavera chegou
qual o cheiro da terra lavrada
porque cantam as rolas em revoada
um certo voar da arvéola, ao fazer o ninho
como corre, assim ligeiro, aquele barranquinho
que uma trovoada súbita inundou

e o meu corpo será nada
nem já pó restará dele

talvez apenas, e tão só, uma lembrança
que trago colada à pele
do que fui
do que ainda sou

mas depois e depois...
nada

que sei eu, de quem, há mil anos por aqui andou

talvez reste de mim
uma luz que se apagou

07 março 2013

mulher





«Porque amanhã se celebra o DIA INTERNACIONAL DA MULHER, porque muitas das metas do «feminismo» estão ainda por alcançar, também no nosso país. E porque... sim, isto não tem sido nada fácil e temos a obrigação de contar como foi, num passado que é tão presente, deixo-vos um testemunho pessoal. Para que não se apague a memória! 

Até à década de 70, na classe social a que eu pertencia, era escasso o número de mulheres que faziam uma escolha de vida idêntica à minha, ou que alinhavam nas iniciativas da Oposição Democrática. Havia uma espécie de cerco social, familiar e religioso, a entrincheirá-las – mesmo nas hostes oposicionistas da geração dos mais velhos, reféns de uma moral social, mais ou menos assumida, em que “a política era para os homens, e à mulher cabia um papel estabilizador da família, o amparo dos filhos e pais e o repouso do guerreiro”. Talvez por isso, são bastante conhecidas as mulheres que, durante o fascismo, se destacaram publicamente, e a sua memória individual tem sido, de algum modo, preservada. Se, hoje em dia, falamos de mulheres na oposição ao regime – ligadas a diferentes sectores ideológicos – há, de facto, dezenas de nomes de dirigentes estudantis, de prestigiadas figuras políticas e de intelectuais que nos vêm à cabeça: já desaparecidas ou ainda vivas, integram o património humano da Resistência urbana contra a ditadura. E, no entanto, desde a década de 40, era bem mais expressiva a representação das mulheres trabalhadoras em muitas regiões do país, nas lutas económicas e nas greves, quer operárias, quer na agricultura. Durante a ditadura fascista, a ala das mulheres do Forte de Caxias espelhava frequentemente essa realidade. Mulheres sem nome escrito na memória da oposição democrática. A Catarina Eufémia cedo se tornou um exemplo dessas outras combatentes. Assassinada a tiro pela GNR, quando reclamava um mísero aumento para as ceifeiras do latifúndio em que era assalariada, surgiu, ainda sob o fascismo, como ícone dos duros combates travados por elas, pelo direito ao trabalho e por um salário minimamente condigno. Porém, haverá centenas e centenas de mulheres que não foram nunca homenageadas; a quem o estado democrático não deu nunca voz na comunicação social; e que, só pontualmente, testemunharam publicamente as suas vivências. São a face feminina de um sem número de participantes activos nas lutas contra a ditadura - obreiros, eles e elas, das condições para a implantação da democracia. Ao longo de 48 anos, houve milhares de pessoas que foram detidas, que foram presas e torturadas, que morreram, que foram barbaramente espancadas, que sofreram o exílio, que foram expulsas do ensino, que perderam o trabalho, que se recusaram a partir para a guerra contra os povos das colónias. São batalhões de mulheres e homens abnegados, devotados a uma causa, sem anseio de heroicidade. Pagaram o custo da repressão por darem passos em frente, arriscando tudo, empenhando-se em lutas por melhores condições de vida e de ensino e por direitos de cidadania, na perspectiva de virem a alcançar um estado de direito, em paz, em democracia e com liberdade. Lutas que foram fragilizando o regime. A Revolução de Abril não nasceu do nada.

Mas a repressão e a brutalidade das polícias políticas e afins abatiam-se ferozmente sobre as mulheres, qualquer que fosse a sua origem social, sempre que se atreviam a enfrentar a ditadura. Com especificidades que faziam delas vítimas de violência acrescida, pela sua condição de mães, pela sua maior fragilidade física, pela sua maior vulnerabilidade. A condição feminina e a maternidade tornavam-nas alvos de um tratamento especial. No momento da prisão, nos interrogatórios e na tortura, muitas mulheres eram ameaçadas, chantageadas e humilhadas. Eles ajustavam, criteriosamente, a cada estrato social, as ameaças que faziam, os espancamentos, as palavras que usavam, as ordens que davam. Mas as torturas eram psicologicamente estudadas para nos provocarem na nossa fragilidade física e nos violarem no nosso pudor feminino, com o objectivo de verem a primeira cedência na firmeza que os desesperava. Depois, era a escalada da violência. Se é sinistro todo historial repressivo da PIDE, é aterradora a narrativa que nos chega de mulheres vítimas das atrocidades a que foram submetidas. Sobressaem como particularmente maquiavélicas.
O encarceramento de companheiras com os seus filhos tornava extraordinariamente doloroso o tempo de prisão a que eram submetidas. Vivi durante meses numa cela com a Maria, uma trabalhadora rural que tinha consigo uma criança de cerca de um ano e meio. Quatro metros quadrados, se tanto, que mãe e filho partilhavam com mais duas presas. Eram já perturbantes os sinais de transtorno psicológico da criança e continuava sem poder ir ao recreio e privada de espaço e de sol.
Parecendo condenadas a permanecerem ocultas na História recente do nosso país, estas mulheres vêm, aos poucos, saindo do anonimato. Acontece pela escrita de memórias de antifascistas, ou em documentos cinematográficos como o de Susana Sousa Dias, mas é sobretudo pela mão de historiadores (nomeadamente de Irene Pimentel, uma mulher que não pára na sua investigação apontada ao fascismo) que vemos nomes e factos a emergirem para níveis de divulgação. 
Estou certa de que as crianças e os jovens precisam deste género de testemunhos, e de narrativas que ultrapassem as “frases feitas”, que pouco lhes dizem, para se abrirem ao conhecimento da realidade da ditadura de Salazar e Marcelo Caetano. Só assim os parágrafos frios e secos dos manuais escolares - em que se aborda este período negro da História de Portugal - ganham, aos seus olhos, vida e emoção. Há uma História viva ainda ao alcance destes jovens, o que é meio caminho andado para a motivação que, no futuro, pode fazer deles os activistas que hão-de render-nos num movimento que não deixe apagar a memória.

(Excerto de uma intervenção na UMAR, em Novembro de 2012)
por helena pato, via facebook

todo o tempo é de poesia



em manhãs de tristeza
rego o jardim com poesia

mas esta manhã foi ficando
brilhante, radiante
disposta a inundar a penumbra
naquele recanto do jardim
onde a tristeza
já cobria os muros
de verdes musgos 
e hera

oxalá as gaivotas não transformem a esperança
em tempestade

06 março 2013

el comandante chavez



"el comandante" chavez partiu 

deixa órfãos de esperança
 os pobres da venezuela,
da américa latina,
e um pouco, todos nós

sentiremos saudade 
da coragem
com que enfrentou o imperialismo yankee

oxalá a revolução bolivariana 
o povo pobre e oprimido da venezuela
saibam guiar-se
pelos caminhos da grande incerteza 

que ora enfrentam

estamos com eles
no coração