29 julho 2010

hoje a solidão


hoje a solidão

é branca

como a cal


rasa

como campa


é uma estrada aberta

na planície deserta

sem fim à vista


infinita


amanhã

sabe-se lá

a cor que terá

22 julho 2010

ao fim da tarde



no largo da aldeia

a meio da tarde

naquela taberna

vendem-se coiratos

e fazem-se seguros


os homens sentados à porta

esperam o fim da tarde


os copos na mão

mirando a planície

seca

ondulante de calor


o pasto quase branco

o branco das casas

a cal

faiscando ao sol


e a planície distante

os homens alongando o olhar

até à lonjura


vão sorvendo pequenos goles

de solidão

com sabor a vinho


e sentem saudades

de um tempo não vivido

antigo

como sempre foi o futuro

16 julho 2010

estava mesmo bom! o caspacho...





pois o caspachinho estava mesmo bom! (caspacho não é erro é um regionalismo de pias).
o caspacho, receita simples e fresca. o pão alentejano, naturalmente, o tomate e o pepino. tudo muito migadinho. às vezes também pedacinhos de pimento verde. flor de orégãos triturados entre as mãos, por cima do tomate e umas pedrinhas de sal em cima, para tomar gosto. mas antes já os dois dentes de alho, não muito grandes para não ficar indigesto, haviam sido esmagados com sal no fundo da pelingana (quem não souber o que é procure no léxico pieiro). dá-se assim umas pisadelas no tomate e no pepino para extrair os sucos e depois despeja-se água bem fresca, azeite de moura e bastante vinagre. tem de ser. mexe-se muito bem para misturar o azeite com a água, mas é claro que não se consegue! o azeite é como a verdade e vem sempre ao de cima. verdades do povo, como o caspacho. depois de já estar toda a gente sentada à mesa juntam-se as sopas e tira-se logo para os pratos. que sabem bem é rijinhas e não moles. como certas coisas, enfim. acompanha-se com carapauzinhos fritos, ou uns niquinhos de presunto, mas havendo peixe não há necessidade. e azeitonas, não podiam faltar. e está pronto um grande banquete. e uma grande barrigada, mas barrigadas destas, venham elas...

aquela cidade II












































é estranha aquela cidade

ali correm rios de petróleo
petróleo nos táxis amarelos, aos milhares
petróleo nos camiões ruidosos, dia e noite, percorrendo a cidade
petróleo nas ruas de alcatrão
petróleo nas pastilhas elásticas pisadas nos passeios
petróleo nos plásticos dos talheres e nos pratos dos restaurantes de fast food
petróleo no ar condicionado do quarto de hotel
petróleo nas lojas para onde fugimos dos 42 graus celsius que abrasam a cidade
petróleo em milhões de luzes de janelas, nos escritórios vazios à noite

naquela cidade respira-se petróleo

aquela cidade quase sucumbe às toneladas de lixo em sacos de plástico preto
e ao fedor que deles emana aescorrer pelos passeios

aquela cidade é mesmo estranha

naquela cidade busquei a poesia
e não descobri gaivotas

os arquitectos daquela cidade esqueceram-se das praças
da arte pública
das fontes
dos jardins
e dos canteiros com flores

naquela cidade não há gaivotas

naquela cidade estranha eu não poderia viver

aquela cidade é nova york

10 julho 2010

aquela cidade























naquela cidade as casas nasceram da terra
como as árvores


e subiram no céu




aquela cidade é uma floresta
selvagem
mas sem árvores
apenas casas

casas gigantes
ferozes
hostis
ocupando a floresta antiga



aquelas casas expulsaram os homens
e agora vivem ali
como se fossem homens

casas
que na noite
parecem vazias
com milhões olhos
luzes
vigiando os homens
e o mundo

os índios
habitantes daquela cidade
foram expulsos

chegaram outros
homens
construiram um muro
naquela rua
e naquela lingua
chamaram-lhe wall street

dali
da rua do muro
daquela cidade
as casas
belas
e desumanas
governam o mundo
dos homens

como se fossem homens

aquela cidade é nova york