31 janeiro 2010

chão


chão

deste chão

levantam-se vozes

que

eu

não sei

de quem são

são vozes de homens

mulheres

crianças

sem pão

vozes de fome

terror

solidão

este negro chão

cor de sofrimento

está escondido

no coração

da planície

na superfície

do pensamento



29 janeiro 2010

vida



a vida. não sabemos o que é. de onde veio. como chegou. mas sabemos o que é a morte, não porque a sintamos no nosso corpo, porque quando tomar conta dele já nós não estaremos lá. conhecemo-la pela dor que nos provoca, quando nos leva alguém que fez parte de nós. pode ser um ser humano ou animal, que vem a dar no mesmo. há seres humanos que são animais, no sentido em que os consideramos irracionais, pela ausência de sentimentos humanos e há animais com sentimentos tão humanos que chegamos a duvidar que não sejam da nossa espécie. a vida, há uma altura em que deixa de fazer sentido. é quando o sofrimento provocado pela doença se torna tão insuportável, tanto para quem o sente no seu corpo, como para quem assiste a ele que, aí, é que uma parte de nós pensa que a vida já não é vida. e então devia haver um mecanismo que se desligasse, automaticamente, para nos poupar. mas não, não existe. e a vida continua a ser vida, o sol nasce todos os dias e todas as noites há estrelas no céu, mesmo quando não as vemos.

27 janeiro 2010

mais 17 mil americanos vão para o Haiti. fazer o quê?

foi a notícia que ouvi. estão mais 17 mil!!! americanos preparados, com toda a parafernália de guerra que lhe é useira,  para seguir para o haiti, além dos tantos que já lá estão. mas o que é que vai acontecer no haiti, além do que já aconteceu? estará o haiti entre os países "perigosos"? será o haiti um perigo terrorista para a segurança dos usa? não é essa a justificação para todas as invasões, guerras e violências, com que os usa pretendem calar as vozes que ousam protestar contra o seu poderio? será o medo de uns singelos "che's" pintados nas paredes, ou nos bonés dos sobreviventes? o que pode legitimar tamanha sanha de ocupação/invasão? ou será apenas uma ilha, pequena,  corpo de jacaré, resistente e revolucionária desde que eu nasci? porque é que não se fala disto? em portugal, ou no mundo? porquê um silêncio tal? que encobre este império de mal?
http://octopedia.blogspot.com/2010/01/ocupacao-americana-do-haiti

pisco de peito ruivo


voltaste
de novo
ao meu quintal
meu
pisco de peito ruivo

pequenino ser
viajante
da natureza
natural

modesta criatura
efémera
como eu
meu igual

voltaste
e o teu peito
ruivo
logo alegrou o meu
que não é ruivo
mas podia ser

de alegria
por te ver

25 janeiro 2010

gripe a, b, ou sei lá... ou c


pois estou retida! em minha própria casa. cativa de uma gripe que nem sei qual é, não me mandaram fazer análises. deve ser para poupar, gastaram o dinheiro todo nas vacinas e agora não chega para o resto. como a médica não tinha a certeza, não faz mal! fica em casa na mesma! 7 dias. no primeiro dia ainda andei mascarada, literalmente, mas agora resolvi que ainda é cedo para o entrudo. "tem de se isolar! não pode contactar com ninguém!" e o marido? vai dormir fora de casa? ele se calhar, até nem se importava.  agora já podes fazer uma ode!!! á gripe a, dizia a filha. uma grande mascarada! isto da gripe a!

os jornalistas e o haiti

ontem estava a ver as notícias sobre o Haiti, mas como já não posso ouvir, vezes sem conta, as mesmas coisas tinha a televisão na opção muda. quando liguei o som estava uma jornalista da rtp1, rosário não sei quantas, a dizer que o povo haitiano tinha sido atingido, nos últimos anos, por muitas catástrofes, revoluções e outras tragédias. perguntei-me se uma revolução será uma tragédia para um povo. e cheguei à conclusão que não. se um povo faz uma revolução é porque a deseja e portanto um povo não deseja uma tragédia para si. quando um povo faz uma revolução é uma festa, para esse povo. admito que possa ser uma tragédia para alguns, os tiranos, os que são apeados do poder, mas nunca para a grande maioria do povo que fez a revolução. por vezes, infelizmente muitas, certos jornalistas não parecem conhecer o real sentido das palavras que dizem, ou então têm o pensamento tão formatado para determinadas direcções que são incapazes de ver o que lhes está mesmo à frente. também não explicam porque tendo sido o Haiti um dos primeiros países da américa a fazer uma revolução de escravos, vitoriosa, logo no início do século XX é hoje "um estado falhado". não dizem que isso aconteceu porque desde então os USA ocupam o Haiti a seu belo prazer, e ainda mais depois da revolução cubana. a certos jornalistas, não lhe fará confusão, porque é que num país totalmente devastado, onde as pessoas continuam a não ter comida e água para sobreviver, cheguem milhares de marines americanos carregados de metralhadoras e do arsenal que já lhes conhecemos no irão e afeganistão? só falta que em vez de largarem sacos com comida larguem bombas, assim resolviam a questão de vez e davam escoamento àquilo que mais produzem: armas de guerra. cada vez detesto mais uma certa américa. e nem vejo onde está  a diferença actual.

23 janeiro 2010

casa vazia
















a casa está vazia
fria
a lareira apagada
inchada
de silêncio
as cadeiras junto às paredes
encostadas
oferecem memórias vagas

numa gaveta
alguns objectos usados
uma carteira
uns brincos
sóis de trazer nas orelhas
pendurados

ali
a pequena navalha
preto o cabo
sempre a trazia
consigo
cortava vida
aos pedacinhos
pão e chouriço
pequenos os copos de vinho

sobre os móveis
molduras
felizes os rostos
a sorrir

o pó do tempo
tudo começa a cobrir

agora
quando volto
a casa
lugar que me viu nascer
é sempre assim
ninguém me espera
não há braços
para me receber

só o silêncio
lembranças
um certo jeito
de olhar
finissima agulha
no peito
a espetar

19 janeiro 2010

cotas máximas


desculpem a insistência no tema. é que como vi alqueva à cota máxima de 152, agora vejo cotas máximas em tudo. ele é a cota máxima da saudade (a saudade é de diverso tipo, cada um tem a sua e á sua medida). de vez em quando abre-se a comporta, descarrega-se um pouco e fica-se mais aliviado. mas ela volta logo a subir, é muito teimosa. enfim, essa coisa da saudade tem muito que se lhe diga. passemos à frente. ele é a cota máxima da tristeza, às vezes basta que um pisco mate a sede no lago e pronto! é o suficiente para que voltem os níveis de segurança. também há a cota máxima do sofrimento, essa é das mais perigosas, nunca sabemos bem se nos vamos afogar. e também é muito oportunista, quando menos se espera, pumba! além do mais tem várias caras, em bom português do PREC dir-se-ia uma vira casacas. aqui mostra uma face, ali mostra outra. uma autêntica cara de feijão frade. quem não souber o que isto significa que pergunte! se possível aos revolucionários a tempo inteiro, que muito sofreram com tais casos. também há a cota máxima do amor (do amor ou da amizade. não será a mesma escrita com caracteres diferentes?) ou não haverá esta?, o amor nunca é demais, então não deve ser fácil, ou será mesmo impossível que atinja os 152. portanto não é preciso descarregá-la e logo essa questão não se põe. adiante, que prá frente é que é o caminho. existe também a cota máxima da rotina, do quotidiano cinzento. vemos o perigo que constitui mas ás vezes o mecanismo falha, não faz a descarga e é a tragédia. por fim, há a cota máxima do desejo. quando atinge os tais 152, é sair da frente. é um tal dilúvio que não escapa nada. parece o leito de cheias do guadiana. e já chega de cotas! se outras houver cada qual que diga das suas. que as minhas já aí vão por esse rio abaixo.

15 janeiro 2010

alqueva na cota máxima


finalmente alqueva atingiu o máximo. é um espectáculo impressionante de ver, o duplo jacto projectando-se a grande altura e caindo no vasto leito do guadiana, em milhões de gotículas de fina poalha branca. é esse espectáculo que leva ali dezenas, ou centenas? de lisboetas-alentejanos, aos fins de semana, sempre dispostos a espantarem-se com a imensidão daquele lago, tão desejado e com tão pouca serventia. mas mesmo durante a semana a freguesia não falta. confirmei-o hoje mesmo quando lá passei, a caminho de pias. imagino o assombro que sentiriam os habitantes daquela cidade, da idade do bronze, no alto do cabeço fronteiro ao paredão (± 3000 anos, hoje conhecida como “castro dos ratinhos”) se pudessem olhar em seu redor e vissem tão assustadora visão. sobretudo se nos lembramos que tudo aquilo está construído em cima de uma falha geológica activa. mas o alentejo está mais belo que nunca, no seu manto de verde musgo e as chuvas deste ano, que levam alqueva à cota máxima engrossaram regatos e barranquinhos e vão fazer rebentar os poejos, os agriões e a hortelã da ribeira.

14 janeiro 2010

na próxima vez



na próxima vez
quero abraçar-te
beijar-te
encontrar o teu peito
no meu
na próxima vez

abrir-te
as mãos
descobrir
como encaixam
nas minhas

sentir
as linhas
que a vida nos fez

afagar-te o rosto
o cabelo
guardar o teu cheiro
no cofre
do meu peito

enchê-lo

na próxima vez

10 janeiro 2010

filosofias à volta do lume



a chuva desceu como cortina de pingos grossos. caem no telhado como música, que só oiço noalentejo. o lume que arde à minha frente e as rabanadas de vento que fustigam as oliveiras do quintal e as laranjeiras da rua, fazem-me perguntas. questionam-me acerca de quem inventou as telhas que cobrem o telhado. quem descobriu que, colocadas de certa maneira, ligeiramente sobrepostas e em plano inclinado, aos pares, de modelo romano (planas) ou em canudo (mouriscas), impedem que a àgua da chuva penetre em casa e nos molhe. de quem terá sido a ideia e quando e como descobriu que funcionava. o lume reclama a minha atenção. acabo com a filosofia e coloco mais um madeiro.

07 janeiro 2010

tristeza

a tristeza
é um rio
seco
de margens requeimadas
vencidas
pelo abandono.

este rio
já foi
ribeira fresca
rumorejante.

agora
apenas transborda
angústia.

04 janeiro 2010

despedidas

ontem foi dia de despedidas. primeiro fomos ao aeroporto levar  a rita. lá abalou aquele pedacinho de nós para longe, outra vez. ela de coração apertado, pressentindo a saudade que começou logo ali a alagar-nos o peito e vai sempre subindo, até á cota estabelecida de, pelo menos, uns dois longos meses mais. e eu, que havia preparado tantos sorrisos e palavras, ali fiquei com elas sufocadas, presas, recusando-se a sair e uma dor aguda na garganta, que não me deixava falar. e lá foi ela para delémont, aquela cidadezinha pequena da bela e montanhosa suíça, com a prima patrícia. e então dei-me conta que se fosse mensurável e pudesse ser multiplicada, a minha angústia e a dos que me rodeavam, aumentava duas, quatro, seis, sete vezes. a de meu irmão e de sua mulher contavam a dobrar porque além daquela filha, haviam-se despedido, há poucos dias, do seu outro filho emigrante também, mas em áfrica. se juntasse a das outras pessoas que estavam no aeroporto para se despedirem, dos seus filhos, maridos, amantes, namorados, amigos e uma infinidade de outros laços que nem posso imaginar, daria uma equação infinita de sofrimento que só é derrotada pelo amor e pela esperança. mais de 2 mil quilómetros de distância já a separar-nos e nós cá ficámos na pátria que não é a de jorge de sena («Nem é ditosa, porque o não merece./ Nem minha amada, porque é só madrasta./ Nem pátria minha, porque eu não mereço/ a pouca sorte de ter nascido nela.») que expulsa os seus filhos de casa mas que, nem assim mesmo, deixamos de amar.

e enquanto a easy jet pousava as nossas emigrantes queridas em Basileia, cidade amada de louis aragon, nós chegávamos ao alentejo, para uma outra despedida, um adeus definitivo. fomos entregar a tia chica àquele cantinho da terra onde nasceu. ali ficou, acompanhada por outros tantos dos nossos mortos queridos. com ela partiu também um pouco da nossa história e da nossa família. apesar de tudo foi um momento de reencontro, que os funerais também servem para isso, com rostos e braços onde corre o meu sangue. ali me despedi das nossas viagens de comboio e lá ficou uma parte das memórias da minha infância. mais uma.

02 janeiro 2010

capitalismo uma história de amor

vale a pena ver o filme de Michael Moore. pena é que seja visto por tão pouca gente. basta dizer que não conseguimos vê-lo no Barreiro e tivemos de ir a Almada e connosco apenas havia 12 pessoas na sala! o documentário é um acto de coragem e denúncia, quase individual de Michael Moore, onde o activista cívico nos surge, qual D. Quixote, lutando contra moinhos de vento na mais poderosa nação do mundo capitalista. por esse facto Moore merece o nosso respeito e solidariedade. Michael Moore apresenta ao mundo, com factos e documentos, a verdadeira essência do sistema capitalista, vigente na tão proclamada “maior democracia do mundo”. mostra como gigantescas companhias financeiras dominam o sistema político colocando os seus privados interesses à frente do país e dos cidadãos. como a corrupção domina o esteio da sociedade e como tudo isto conduziu á profunda crise económica que dilacera a América e o mundo ocidental. é esta nação que permite que milhões!!! de cidadãos sejam expulsos de suas casas, percam todos os seus haveres e sejam lançados na mendicidade, que se arroga o direito de dar lições de democracia e de direitos humanos ao mundo. o que vimos no documentário seria impensável acontecer na Europa, sem que se gerassem revoltas, como as que estão a suceder na Grécia actualmente. porque uma das coisas que mais impressiona no documentário é a passividade com que os americanos - tão guerreiros e combatentes no Iraque e no Afeganistão! - aceitam o que lhes está a acontecer. o que sucedeu ao espírito da nação americana que protagonizou o amplo movimento popular, precursor da Revolução Francesa, que conduziu à declaração da Independência dos USA? a mim revolta-me que os americanos aceitem, e ainda agradeçam, às financeiras e imobiliárias, que tudo lhes roubam,  pequenas esmolas que lhe atiram. e sobretudo, choca-me a falta de cultura democrática em contestar as leis vigentes.