07 dezembro 2009

gente povo todo o dia

Conheci o Filipe Jorge quando ele andava a escrever este livro. Eu não sabia, é claro. (nem sei se ele imaginava que algum dia viria a editá-lo). Isto foi aí nos anos de 77/78 a 80. Eu tinha 18 ou 19 e ele tinha 22 ou 23 anos. (passaram entretanto 30 anos!) Já tinha terminado o Processo Revolucionário em Curso, o famoso PREC. Mas, no Alentejo a Reforma Agrária resistia, às investidas da lei Barreto que roubava a terra àqueles que sempre a trabalharam, aos ataques diários, espancamentos e prisões, praticadas pela GNR. Nessa altura alguns, MUITOS, de nós (aqui nesta sala estão alguns) fomos revolucionários a tempo inteiro, como ele muito poeticamente escreve no seu livro. Eu acrescento ao tempo inteiro o corpo inteiro. Foi um tempo único nas vidas de todos nós, esse tempo de REVOLUÇÃO. O nosso país já foi palco de algumas revoluções, (e revoltas também) ao longo da sua história, mas há algumas que são especiais (pelo menos para mim) como 1383-85, 1640, 1910 e a nossa: 1974. Foram revoluções em que o POVO ou as mãos do povo, empurrou o carro da história, como se escreve neste livro. E nós temos a sorte de estar vivos e poder dizer que fizemos parte desse povo que, em 1974, transformou o mundo, ao transformar Portugal.
E é desse povo que nos fala Filipe Chinita. É nesse povo que nos reconhecemos, quando o poeta no poema "proposição" fala de abrir portas ao mundo, um mundo novo a ser conquistado por esse povo. Um mundo com ruas e «salas a abarrotar de gente», onde o poeta lê os anos e as vidas nos rostos marcados, nas mãos cheias de nada e de dores antigas. Mãos de trabalho ali à disposição de todos, abertas e francas, «as mãos que tudo fazem». É esta gente povo todo o dia, a quem o poeta lança as suas palavras, no poema "sou convosco". E as palavras, essas «guerrilheiras» rimam com risos e têm «sabor a pão e a revolução».
Neste livro as ideias surgem depuradas, simples de tão claras e profundas. As palavras são apenas as necessárias para dizer. Não precisam de ornamentos. (Ele próprio, o livro, é quase um objecto estético na forma como as e se apresenta).
As palavras podem ser doces cheias de «ternura alegria» e festa, ou podem ser, simplesmente pintura(s) luminosa(s) onde «o céu é de um todo azul».
São palavras feitas acções e convicções, como a preparação do «encontro de amanhã» ou a «assembleia geral» ou «essa coisa da vida e do comunismo».
Podem ser também, como a vida por vezes, muito duras e dolorosas e são-no, nos poemas "traição" e "intermediários". Aqui é a náusea perante aqueles que «cospem para o chão o asco em que vivem».

Nesta escrita, quase uma crónica do quotidiano da revolução, o poeta cresceu com ela, a Revolução, e como pessoa, quando sente que abre «pequenos mundos que sejam» e encontra-se com a poesia. E é extraordinário como a encontra, imagine-se! num «barracão de paredes rebocadas nuas» numa «lâmpada florescente, electricidade de há pouco» ou no «tecto novo coberto de esferovite».
O poeta encontra-se com a poesia na sua «vida de revolucionário(s) humaníssimo(s) de peito aberto».

Sim, tenho de o dizer, reconheci-me, muitas vezes, nestes poemas.

Obrigado ao Filipe Chinita, por este livro e pelo outro que também já saiu este ano: Cantata Pranto e Louvor em memória de Caravela e Casquinha, em co-autoria com Manuel Gusmão.

(para terminar gostava de apenas vos dizer que perdi o contacto com Filipe Jorge em 1980 e apenas voltamos a reencontra-nos este ano, na festa do avante.)

1 comentário:

Marília Gonçalves disse...

A mais bela Revolução
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Nasceu uma criança e era Abril
Nasceu talvez tão cedo e era tarde
nasceu quando era o mês das águas mil
no dia incendiado em Liberdade.

Nasceu duma promessa por fazer
Que estava por cumprir em cada olhar
Nasceu uma criança por haver
Nasceu uma criança pra sonhar.

Nasceu mas tão real, tão verdadeira
Que era o futuro ali à nossa mão
Onde afinal nascia a Terra inteira

Nascia uma criança e era o pão
E era a Luz a arder de tal maneira
O dia da mais bela Revolução.


Marília Gonçalves