27 novembro 2009

histórias de comboios. a primeira viagem


a primeira viagem foi com a tia mais nova, Benta de seu nome. gostava muito dela e o sentimento era mútuo. ainda não tinha 7 anos feitos. por causa da pouca idade e porque tinha passe do caminho de ferro, só pagava um quarto de bilhete. mas foi a tia quem pagou. o comboio partiu. deixou para trás a Caseta, passou na Zurreira, fez a curva na Trincheira e lá estava a mãe no Castelo, a acenar. não se importou. tudo era novidade. à janela a paisagem desfilava, rápida. ó tia o que é aquilo, não sei já passou. e agora? o comboio parou, já chegámos tia, ainda não. que terra é esta tia, é Beja. fica quietinha e dorme, não tenho sono. e agora o que é? é Alvito e Viana do Alentejo. e aquilo o que é tia? é uma cegonha, não é “ti” Benta! as cegonhas são aqueles pássaros que fazem ninhos no Torre do Relógio, mas esta é de tirar água. olhe tia, que estação tão bonita, é Casa Branca, não é a casa enflorada. deve ter sido a última estação que viu.
a tia acordou-a. olha chegámos ao Barreiro, vamos apanhar o barco para Lisboa. a tia desceu primeiro, pegou-lhe ao colo e colocou-a no chão. mal pôs o pé em terra teve o primeiro ataque de tosse. haveria de lhe suceder sempre que desembarcava no Barreiro. entraram no barco. senta-te aí à janela, ao pé dessa menina. (baixinho) ó tia esta menina tem um boneco. sim. eu gostava de lhe pegar. diz à menina, se deixa. toma podes pegar. é bonito, é preto. pois é, agora dá cá. não. o boneco é meu. não. dá-mo. não dou. a menina puxou o boneco e o choro encheu o salão de 3ª do évora. a mãe da menina tirou uma banana do saco e colocou-a na sua mãozinha. dá-lhe esta banana pode ser que se cale. toma. por momentos o choro ficou suspenso. hesitou, uma banana! mas o olhar desviou-se, depressa, quero o boneco preto. olha chegámos a Lisboa, ali está a tia Chica, vamos com ela para Alverca. o resto da viagem foi sempre a dormir, que a manhã fora longa.

Sem comentários: